Na próxima terça-feira, as suspeitas de irregularidades em contratos envolvendo o Cruzeiro, divulgadas pela Globo, completam um ano. Ainda não há conclusão do inquérito instaurado pela Polícia Civil e com acompanhamento do Ministério Público de Minas Gerais. Um dos braços da investigação é em relação ao contrato firmado entre Cruzeiro e o empresário Cristiano Richard dos Santos Machado.
Os investigadores suspeitam que as testemunhas dos dois primeiros contratos assinados com o empresário - Itair Machado e Sérgio Nonato, então dirigentes do Cruzeiro - possam ter se beneficiado do acordo, recebendo valores, em um esquema conhecido como "rachadinha". As investigações sobre essa possível irregularidade continuam. Saiba mais sobre a crise no clube celeste no Esporte Espetacular deste domingo.
A suspeita da Polícia tem como base o segundo contrato firmado entre as partes em 3 de abril de 2018, um mês depois do primeiro acordo, em que Cruzeiro afirma não ter condições de pagar o empresário (mesmo ainda com prazo até o fim de 2018 para efetuar o pagamento) e cede porcentagens dos direitos econômicos de 10 jogadores, inclusive de uma criança, hoje com 13 anos, como forma de pagamento.
Itair Machado e Sérgio Nonato quando eram dirigentes do Cruzeiro — Foto: Gabriel Duarte
A Polícia Civil investiga se Itair Machado (então vice-presidente de futebol) e Sérgio Nonato (na época, diretor-geral) se beneficiaram do contrato, recebendo valores pela transação de atletas que estavam na lista de cessão de direitos econômicos a Cristiano Richard - como as do goleiro Gabriel Brazão, vendido ao Parma (Itália), e do lateral Vitinho, negociado com o Cercle Brugge, da Bélgica.
A suspeita da Polícia Civil é, inclusive, usada como argumento no embargo interposto pelo clube, em 4 de março deste ano, contra a execução de Cristiano Richard de dívida na Justiça. Nela, o empresário cobrava o pagamento de atrasados do clube referente ao empréstimo de R$ 2 milhões, em uma ação de execução iniciada em outubro do ano passado. A Raposa pede efeito suspensivo da ação do empresário.
Trecho de "possível rachadinha" citado em documento do Cruzeiro, como defesa na Justiça — Foto: Reprodução
Trecho do documento que cita as vendas de Brazão e Vitinho — Foto: Reprodução
Domiciano Monteiro, delegado da Primeira Delegacia Especializada de Investigação de Fraudes da Polícia Civil, em entrevista à Globo, não informou detalhes da investigação, que corre em sigilo, mas disse que estão em estágio avançado.
- As investigações estão tramitando na Primeira Delegacia Especializada de Investigação de Fraudes, com acompanhamento do Ministério Público. As investigações estão em estágio avançado, já foram feitas diversas diligências.
O Ministério Público emitiu nota, na última quinta-feira, informando que apura cinco crimes que podem ter sido cometidos por ex-dirigentes: falsificação de documentos, falsidade ideológica, apropriação indébita, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Trecho do segundo contrato entre Cruzeiro e o empresário Cristiano Richard dos Santos Machado — Foto: Reprodução
Em 18 de dezembro de 2019, o Cruzeiro foi notificado sobre o mandado de penhora e da "execução por quantia certa" dos R$ 426.652,70 requerido pelo empresário e penhorou a sede administrativa do clube, na rua dos Timbiras, Barro Preto, região Centro-Sul de Belo Horizonte. A assinatura pelo Cruzeiro do ofício judicial foi do então vice-presidente do clube, Hermínio Lemos, que deixou o cargo em dezembro do ano passado junto com ex-presidente Wagner Pires de Sá e o outro vice, Ronaldo Granata.
Entre as argumentações do clube no embargo está que "os títulos que tratam de valores (primeiro e segundo contratos) não possuem exequibilidade, uma vez que foram assinados por testemunhas com interesse no negócio e investigadas pela Polícia Civil: Sérgio Nonato e Itair Machado."
Nele, o clube mineiro argumenta também que o terceiro contrato firmado entre as partes em 27 de maio - um dia após a veiculação da reportagem no Fantástico - possui "cláusulas absolutamente leoninas, ou seja, que indiscutivelmente lesam financeiramente o ora Embargante, favorecendo, por consequência lógica, o Embargado de forma excessivamente onerosa". No terceiro acordo, foi firmado pagamento de R$ 1.517.493,62 (valor restante do contrato acrescido de juros) em oito parcelas mensais, a partir de 27 de junho, de R$ 194.205,53 e mais oito parcelas de R$ 10.558,83, totalizando R$ 82.501,32.
+Em contrato refeito entre Cruzeiro e empresário, clube pagará R$ 238 mil de multa sobre valor total
Detalhe: o contrato de quitação refeito - o terceiro - não possuía mais como testemunhas Itair Machado e Sérgio Nonato, ainda dirigentes do Cruzeiro naquela época. Passaram a ser testemunhas do presidente Wagner Pires de Sá, o diretor de futebol na época, Marcelo Djian, e o supervisor administrativo do Cruzeiro, Benecy Queiroz. O contrato, anexado ao processo, não está lavrado em cartório, como os dois anteriores.
Em seu pedido de reconsideração na Justiça, o Cruzeiro classificou o terceiro contrato:
Trata-se de verdadeiro absurdo jurídico, um contrato altamente arbitrário e temeroso, o que se observa, inclusive, pela ausência de “visto” do departamento jurídico do Executado, ou seja, o referido instrumento sequer passou pela análise do departamento responsável pelo respaldo legal do Clube. Inquestionavelmente, o instrumento contratual é leonino, e não observa o princípio da função social dos contratos, bem como os princípios da razoabilidade e proporcionalidade
Do acordo do terceiro contrato, o clube pagou duas parcelas: R$ 204.764,36 em 11 de julho de 2019, e o mesmo valor em 19 de agosto. Em atraso. Ao todo, contando os depósitos iniciais e os depois feitos após o terceiro acordo, saíram R$ 1.009.528,72 dos cofres do Cruzeiro para Cristiano Richard. Por causa de juros e descumprimentos do contrato, o empresário ainda tem pouco mais de R$ 1 milhão a receber do Cruzeiro.
Requerendo o não conhecimento do título extrajudicial, o Cruzeiro ainda argumenta que "os percentuais (dos jogadores) combinados no segundo contrato (...) são extremamente superiores ao valor da dívida".
Como "prova", o clube cita e anexa ao processo os valores das negociações do goleiro Gabriel Brazão e do lateral Vitinho. Cristiano Richard teria direito a 20% dos direitos de cada um dos atletas.
Pela operação de Vitinho, o Cruzeiro recebeu 2,2 milhões de euros, como consta no contrato de venda. Análise da conta bancária cruzeirense mostra que entraram R$ 8.806.215 (2,09 milhões de euros na época) líquidos em 25 de julho de 2018. Valor pago antes do primeiro pagamento efetuado a Cristiano Richard, pelo empréstimo de R$ 2 milhões, o que foi feito em 7 de agosto de 2018, no valor de R$ 400 mil. Os 20% do empresário seriam equivalentes a R$ 1.761.243 da venda de Vitinho.
Trecho do contrato da venda do lateral Vitinho — Foto: Reprodução
O caso de Vitinho ainda chamou a atenção no início da investigação por outro motivo. No balancete contábil do Cruzeiro, havia o pagamento de até R$ 369 mil à "AV & S Consultoria Desportiva LTDA", que tem como principal atividade econômica o "agenciamento de profissionais para atividades esportivas, culturais e artísticas" e, a segunda, como "extração de madeira em florestas plantadas". Na época, um dos sócios da empresa, Eduardo Diniz, explicou que o valor era o recebimento pelo contrato de imagem de Vitinho.
Já Gabriel Brazão foi vendido por 2,3 milhões de euros líquidos, o que equivaleram a R$ 10.062.500 na época. O valor caiu na conta cruzeirense em 26 de março de 2019, apesar de o contrato ter sido firmado em 31 de janeiro. Pelos 20%, Cristiano Richard receberia R$ 2.012.500. O segundo pagamento ao empresário, pelo empréstimo de R$ 2 milhões, ocorreu em 14 de janeiro de 2019, num valor de R$ 200 mil.
Comunicado por email da venda do goleiro Gabriel Brazão — Foto: Reprodução
Se fosse beneficiado pelos percentuais, previstos no segundo contrato de acordo com o Cruzeiro, o empresário receberia, no total, R$ 3.773.743, somente com as duas vendas. Quase o dobro do valor do empréstimo.
Tendo em vista que o contrato passa por investigação policial, o Cruzeiro pede a nulidade da execução. Por fim, no embargo de declaração, o clube afirma ainda que o bem penhorado já é o suficiente para quitar a dívida e que o valor pedido pelo empresário não se faz presente nas contas da agremiação.
O empresário Cristiano Richard foi procurado pela reportagem para comentar sobre o assunto por meio do escritório de advocacia que o defende na execução movida contra o Cruzeiro. A reportagem enviou perguntas ao escritório, mas não recebeu as respostas até o momento da publicação. O ex-vice de futebol do clube, Itair Machado, respondeu, em nota (confira ela na íntegra, no final da matéria), os questionamentos da reportagem. Ele disse que ainda vai mostrar quem se beneficiou financeiramente do clube, mas não disse quem são.
- Sobre o empréstimo ao Cruzeiro feito pela pessoa do senhor Cristiano Richard no valor de 2 milhões de Reais, a polícia tem a entrada do dinheiro na conta do clube e tem a saída do dinheiro. Será comprovado que é mais uma falácia para denegrir minha imagem. Na hora certa, vou dar os devidos detalhes de tudo, e também solicitar que a Polícia Civil faça uma perícia na vida financeira dos 2 personagens principais que realmente ficaram milionários através do Cruzeiro. Sempre lutei para manter o Cruzeiro grande, ganhei 3 títulos em um ano e meio até quando me deixaram trabalhar em paz. Vejo muitos dos assuntos sendo questionados que se tratam da esfera esportiva e estatutária, e não criminal como também mencionado pelo MP em suas redes oficiais.
Itair Machado, ex-vice-presidente de futebol do Cruzeiro — Foto: Vinnicius Silva
Itair Machado ainda afirmou que a "mídia" está realizando pressão sobre a investigação da Polícia Civil e do Ministério Público de Minas Gerais e ainda informou que a verdade aparecerá.
- Lembrando que a mídia está fazendo uma grande pressão na Polícia Civil e no MP, mas, todos podem ter a certeza, toda verdade chegará à tona, as perícias e análises estão sendo feitas e tudo terá em breve um fim. Deus só dá o fardo para aquele que consegue carregar, e tudo vai se resolver.
Já Sérgio Nonato, ex-diretor geral, respondeu à reportagem sobre a maioria dos questionamentos enviados. Ele afirmou que assinar como testemunha nos contratos "foi toda a extensão do seu ato". O ex-dirigente cruzeirense disse que Cristiano Richard dos Santos Machado é uma "pessoa conhecida" e "do seu relacionamento". Ele ainda reiterou que nunca recebeu benefício financeiro de qualquer contrato realizado no Cruzeiro. Questionado sobre não ter sido testemunha do terceiro contrato, Serginho não respondeu.
Ambos os dirigentes deixaram o Cruzeiro antes do rebaixamento do clube à Série B do Brasileiro.
O ex-presidente do clube Wagner Pires de Sá, que assinou o contrato em nome do Cruzeiro, foi questionado sobre o contrato com o empresário e deu sua versão do motivo do acordo, voltando a negar a intenção de ceder direitos econômicos ao empresário como forma de pagamento do empréstimo.
Wagner Pires de Sá explicou o acordo feito com Cristiano Richard em 2018 — Foto: Bruno Haddad/Cruzeiro
- O contrato com o empresário foi um mútuo, acho que ele (Cristiano Richard) foi apresentado pelo Sérgio Nonato. Nunca tinha conhecido ele. Hoje eu o conheço. Ele fez um empréstimo normal, tranquilo. Não tem nada de jogador no meio. Quando você pega um empréstimo, você dá garantias. Criaram que teve menino no meio. Tudo mentira. Olha lá o contrato que vale, o que tem valor, o que tem execução. Não tem nada. O que ele fez foi ajudar o Cruzeiro.
Wagner Pires argumentou sobre o motivo de ter sido realizado o acordo de empréstimo.
- Foi feito um empréstimo, até pequeno, porque ele nos ajudou no dia. Nós tínhamos que pagar uma guia, que se não paga no dia, esses acordos trabalhistas, com o Governo Federal, eles dobram praticamente. Uma dívida de R$ 2 milhões iria virar R$ 4 milhões. Então, ele veio na hora e emprestou. Foi um contrato de empréstimo, que se chama mútuo. Normal, tranquilo. Não tem nada de errado. É a coisa mais normal no futebol brasileiro, que é o mútuo.
O processo de cobrança ao Cruzeiro, feitos por Richard, prossegue na Justiça, mas estagnou em meio à pandemia. O clube aguarda a resposta da Justiça sobre os embargos de declaração.
"Sobre o Balanço financeiro de 2019, apesar desse assunto não corresponder à minha área, pois, era funcionário do DEPARTAMENTO DE FUTEBOL, acredito que eles colocaram várias ações trabalhistas pendentes de julgamentos, e o fizeram por questões políticas, pois, queriam desviar o foco na perda dos 6 pontos. Se julgam a “transparência” mas é muito fácil jogar um valor qualquer no tal relatório sem apresentar os detalhes a todos dá imprensa e ao torcedor, que é quem mais interessa.”
Sobre o possível recebimento de comissão por empresários, posso garantir ao torcedor que isto não aconteceu. Às investigações irão comprovar tudo. Para indiciar alguém, é necessário comprovar algum crime, e isso, tenho certeza e será provado que não cometi.
Sobre o empréstimo ao Cruzeiro feito pela pessoa do Senhor Cristiano Richard no valor de 2 milhões de Reais, a polícia tem a entrada do dinheiro na conta do clube e tem a saída do dinheiro, será comprovado que é mais uma falácia para denegrir minha imagem.
Fui e estou sendo vítima de uma briga política e poder de um clube que já estava em dificuldades financeiras.
Na hora certa, vou dar os devidos detalhes de tudo, e também solicitar que a Polícia Civil faça uma perícia na vida financeira dos 2 personagens principais que realmente ficaram milionários através do Cruzeiro.
Sempre lutei para manter o Cruzeiro grande, ganhei 3 títulos em um ano e meio até quando me deixaram trabalhar em paz.
Vejo muitos dos assuntos sendo questionados que se tratam da esfera esportiva e estatutária, e não criminal como também mencionado pelo MP em suas redes oficiais.
Lembrando que a mídia está fazendo uma grande pressão na Policia Civil e no MP, mas, todos podem ter a certeza, toda verdade chegará à tona, as perícias e análises estão sendo feitas e tudo terá em breve um fim.
Deus só dá o Fardo para aquele que consegue carregar, e tudo vai se resolver".
Autoria: Globo Esporte